O técnico Luis Felipe Scolari, atualmente à frente do Bunyodkor, do
Uzbequistão, abriu o verbo em entrevista ao Colunista de "O Globo",
Renato Maurício Prado. Felipão analisou o trabalho de Dunga na seleção
brasileira e lembrou de alguns casos de quando ele era o comandante do
Brasil. Ele revelou, por exemplo, como solucionou o problema de
relacionamento entre Ronaldo e Rivaldo na Copa de 2002.
Scolari comentou também sobre Ronaldinho Gaúcho, a nova parceria de Kaká
e Cristiano Ronaldo no Real Madrid, e, claro, sobre Romário. O treinador
deu mais detalhes sobre sua decisão de não levar o Baixinho para o
Mundial.
O técnico disse que pretende voltar ao Brasil daqui a um ano e meio e
comandar alguma equipe por mais dois anos. Ele já adiantou que não tem a
menor chance de assumir o comando da seleção na Copa do Mundo de 2014.
- Deus me livre! Estou fora.
Dunga
- Acho que o Dunga está indo muito bem. Começou um pouco inseguro, o que
é natural, pois não tinha experiência. Mas foi se firmando e acredito
que possa fazer uma boa Copa. O seu momento mais difícil foi às vésperas
daquele amistoso do fim do ano, contra Portugal. Curiosamente, aquela
goleada de seis marcou o início da arrancada do Dunga para cima e a do
Carlos Queiroz (técnico de Portugal) para baixo.
Importância de Jorginho na seleção
- Há uma peça fundamental para o sucesso do trabalho do Dunga: o
Jorginho. E nem é tanto pelo fato de já ter sido técnico, mas por
conseguir dar ao Dunga um equilíbrio que dificilmente ele teria caso
estivesse sozinho ou com outro assessor que não fosse tão próximo e
calmo. Se não houvesse o Jorginho, o Dunga, com certeza, já teria
explodido e mandado tudo e todos para o inferno.
Ronaldinho Gaúcho
- Não sei se Ronaldinho Gaúcho vai voltar à seleção. Para mim, antes de
mais nada, ele precisava perder quatro quilos, voltar a treinar e jogar
com a vontade e a gana que na seleção, antes e durante a Copa de 2002 e
nos seus primeiros anos de Barcelona. Com a saída do Kaká, ele tem uma
boa oportunidade de mostrar que é capaz de liderar o Milan. Mas precisa
emagrecer e recuperar o tesão pela bola.
Ronaldo x Rivaldo
- Quem foi o jogador mais importante da Copa de 2002? Rivaldo, disparado!
O Ronaldo foi espetacular, fez gols decisivos e tudo mais, mas o cara
que desequilibrou foi o Rivaldo. Eles tinham uma briguinha particular
naquela seleção.
'Briguinha' entre os dois na Copa de 2002
- Um queria sempre fazer mais gols do que o outro. Por isso, muitas
vezes não passavam a bola, mesmo quando esta era a melhor opção para o
time. Um dia, perdi a paciência, chamei os dois, tranquei no vestiário e
disse: "Ou vocês acabam de vez com essa frescura, ou vai jogar um só. E
eu ainda não decidi quem será". Falei e fui me embora. Deixei os dois
trancados lá. Aí o Rivaldo virou-se para o Ronaldo e disse: "Olha, é
melhor a gente se ajeitar mesmo. Esse cara é maluco e é capaz mesmo de
barrar um de nós dois". E acabou de vez aquela bobajada.
Fenômeno no Corinthians
- Ronaldo é fora de série. Mesmo estando uns sete ou oito quilos acima
do peso com que jogou a Copa de 2002, ele ainda faz a diferença na hora
da verdade. Os gols que marcou na final do Paulista foram típicos de um
extra-classe. E, no primeiro jogo das finais da Copa do Brasil, contra o
Inter, fez a mesma coisa. Se ele perder uns quatro quilos, nem tem o que
discutir. Tem que ser convocado e jogar a Copa. Ele é o tipo de cara que
só de olhar, o adversário já treme.
Romário
- Romário também era um cara assim. Só não o levei na Copa de 2002
porque ele traiu a minha confiança. Foi depois da Copa América em que
perdemos até do Panamá ou de Honduras, não me lembro, e eu estava por um
fio. Eu e o time precisávamos do apoio naquela hora e aí surgiu a
história da tal operação no olho. Num primeiro momento, me conformei,
afinal, tratava-se de um problema de saúde. Mas, depois, o que eu soube?
Que ele não ficou de repouso coisa nenhuma: foi fazer amistosos com o
Vasco para ganhar uma grande em dólares. Aí, perdi a confiança nele e
ele perdeu a Copa.
Possível interferência de Ricardo Teixeira
- O presidente Ricardo Teixeira nunca me pediu para convocar o Romário.
Disse: "A decisão é sua. O que você decidir, está decido. Vou te apoiar,
mas se você perder a Copa, vai ter que explicar para a torcida". E eu
banquei a não convocação. Depois dessa conversa, teve um momento que eu
cheguei a balançar. Foi quando ele foi para a TV chorar de dizer que
queria disputar o último Mundial. Eu já estava emocionado e quase
voltando atrás, quando entrou em cena o Eurico Mirando falando um monte
de barbaridades, me xingando disso e daquilo e fazendo ameaças. Aí
percebi que era tudo um circo armado para me pressionar e desisti,
definitivamente, de levar o Romário.
Kaká e Cristiano Ronaldo
- Kaká é um jogador raro em todos os sentidos. Pelo que faz em campo e
fora dele. É uma joia rara esse rapaz. Com toda fama e dinheiro que já
ganhou, continua a se entregar em campo como se fosse um juvenil. Tenho
certeza de que ele e o Cristiano Ronaldo vão se dar bem juntos. O
Cristiano não tem nada a ver com aquela imagem de marrento que todos têm
dele. Aposto que ambos serão grandes amigos. O problema do Real Madrid é
o Raúl. Ele já é um veterano e continua a ser o "dono do vestiário". E
ai de quem ele não gosta. Inclusive o técnico.
Problemas no Chelsea
- Os verdadeiros donos do futebol hoje em dia são os jogadores. O
técnico, na maioria dos clubes europeus, não tem força para
contrariá-los. Quem os clubes vão preferir mandar embora? Claro que os
demitidos são sempre os técnicos. Os principais jogadores já perceberam
isso. Esse foi meu problema no Chelsea. O Drogba, o Ballack e o Cech não
aceitavam os meus métodos de treinamentos nem minhas exigências.
Saída após o título de 2002
- Não tinha decidido sair da seleção. Se a CBF tivesse aceitado as
minhas sugestões, teria ficado. Eu queria mais ingerência nas seleções
de base. Queria que os meus auxiliares acompanhassem os treinos e
torneios para que pudessem me avisar do potencial que a garotada tinha
para substituir os campeões do mundo, que eu já sabia que não teriam
como chegar bem em 2006. Eu queria dirigir o time olímpico em Atenas,
mas o Ricardo foi contra alegando que já tivera problemas com isso antes,
com o Vanderlei. Aí perguntei para o Ricardo: "Se você fosse eu, ficaria
ou aceitaria?". E ele disse: "Eu sairia". Foi o que eu fiz. Mas saí numa
boa, sem ressentimentos.
Porque não voltou para seleção brasileira
- No dia da final da Copa de 2006, o Ricardo Teixeira me ligou querendo
conversar sobre a minha volta. Marquei um encontro em Barcelona, mas,
quando falei com a minha família, todos foram contra. Para não brigar,
liguei para o Ricardo desmarcando e abrindo mão do convite. E ele foi
atrás do Dunga.
Copa no Brasil em 2014
- Treinar o Brasil em 2014? Deus me livre! Essa vai ser a pior Copa para
qualquer treinador brasileiro. Ninguém vai aceitar outro resultado que
não seja o título. Ninguém admite passar outra vez por uma frustração
como a de 1950. Pobre técnico...tô fora!
Uzbequistão
- Meu contrato é de um ano e meio, mas a cada seis meses vamos sentar e
discutir. E tanto da parte deles como da minha, podemos decidir não
continuar. Estão querendo que eu assuma a seleção, mas isso não está
certo. O Rivaldo, que é o craque do nosso time, me garantiu que dá para
fazer um trabalho legal, pois conhece o time sub-20 do país e me disse
que há vários garotos bens de bola, com futuro.
Planos para o futuro
- Vou voltar dentro de um ano e meio. Aí trabalho mais uns dois como
técnico e chega! Mudo de função ou me aposento. Chega de discutir com
bandeirinha à beira do campo. O Palmeiras queria que eu assinasse um
pré-contrato para quando eu voltar. Agradeci, mas não aceitei. Quando
voltar, quero estar livre para decidir o que for melhor na ocasião.
Houve um dirigente do São Paulo que ligou para o meu empresário querendo
o meu telefone.
Os técnicos brasileiros
- Dos novos, gosto muito do Mano Menezes. Vejo futuro no Vagner Mancini
e no Dorival Júnior. Mas estes precisam de uns três anos de bons
trabalhos para se firmar entre os maiores, como o Vanderlei, Muricy,
Autuori...
Vanderlei Luxemburgo
- Técnica e taticamente, o Vanderlei é o melhor. Mas costuma misturar
muito as coisas dentro de fora de campo. Eu não consigo engolir essa de
história de treinador querer ganhar comissão em cima de atletas que ele
revelou ou indicou e que depois foram vendidos. Dá margem a milhares de
insinuações. Nunca fiz, nem faria. Se ele se concentrasse no que é
melhor, teria ainda mais sucesso. Mas essa é apenas a minha opinião. Ele
é maior de idade, bem-sucedido, faz o que quiser. |